quarta-feira, 2 de outubro de 2013

TEXTOS, POEMAS DE RACHEL DE QUEIROZ

A Velha Amiga

Conversávamos sobre saudade. E de repente me apercebi de que não tenho saudade de nada. Isso independente de qualquer recordação de felicidade ou de tristeza, de tempo mais feliz, menos feliz. Saudade de nada. Nem da infância querida, nem sequer das borboletas azuis, Casimiro.
Nem mesmo de quem morreu. De quem morreu sinto é falta, o prejuízo da perda, a ausência. A vontade da presença, mas não no passado, e sim presença atual.
Saudade será isso? Queria tê-los aqui, agora. Voltar atrás? Acho que não, nem com eles.
A vida é uma coisa que tem de passar, uma obrigação de que é preciso dar conta. Uma dívida que se vai pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo em que se devia muito mais.
Queria ter palavras boas, eficientes, para explicar como é isso de não ter saudades; fazer sentir que estou expirimindo um sentimento real, a humilde, a nua verdade. Você insinua a suspeita de que talvez seja isso uma atitude.
Meu Deus, acha-me capaz de atitudes, pensa que eu me rebaixaria a isso? Pois então eu lhe digo que essa capacidade de morrer de saudades, creio que ela só afeta a quem não cresceu direito; feito uma cobra que se sentisse melhor na pele antiga, não se acomodasse nunca à pele nova. Mas nós, como é que vamos ter saudades de um trapo velho que não nos cabe mais?
Fala que saudade é sensação de perda. Pois é. E eu lhe digo que, pessoalmente, não sinto que perdi nada. Gastei, gastei tempo, emoções, corpo e alma. E gastar não é perder, é usar até consumir.
E não pense que estou a lhe sugerir tragédias. Tirando a média, não tive quinhão por demais pior que o dos outros. Houve muito pedaço duro, mas a vida é assim mesmo, a uns traz os seus golpes mais cedo e a outros mais tarde; no fim, iguala a todos.
Infância sem lágrimas, amada, protegida. Mocidade - mas a mocidade já é de si uma etapa infeliz. Coração inquieto que não sabe o que quer, ou quer demais.
Qual será, nesta vida, o jovem satisfeito? Um jovem pode nos fazer confidências de exaltação, de embriaguez; de felicidade, nunca. Mocidade é a quadra dramática por excelência, o período dos conflitos, dos ajustamentos penosos, dos desajustamentos trágicos. A idade dos suicídios, dos desenganos e, por isso mesmo, dos grandes heroísmos. É o tempo em que a gente quer ser dono do mundo - e ao mesmo tempo sente que sobra nesse mesmo mundo. A idade em que se descobre a solidão irremediável de todos os viventes. Em que se pesam os valores do mundo por uma balança emocional, com medidas baralhadas; um quilo às vezes vale menos do que um grama; e por essas medida, pode-se descobrir a diferença metafísica que há entre uma arroba de chumbo e uma arroba de plumas.

Não sei mesmo como, entre as inúmeras mentiras do mundo, se consegue manter essa mentira maior de todas: a suposta felicidade dos moços. Por mim, sempre tive pena deles, da sua angústia e do seu desamparo. Enquanto esta idade a que chegamos, você e eu, é o tempo da estabilidade e das batalhas ganhas. Já pouco se exige, já pouco se espera. E mesmo quando se exige muito, só se espera o possível. Se as surpresas são poucas, poucos também os desenganos.

A gente vai se aferrando a hábitos, a pessoas e objetos. Ai, um um dos piores tormentos dos jovens é justamente o desapego das coisas, essa instabilidade do querer, a sede do que é novo, o tédio do possuído.
E depois há o capítulo da morte, sempre presente em todas as idades. Com a diferença de que a morte é a amante dos moços e a companheira dos velhos.
Para os jovens ela é abismo e paixão. Para nós, foi se tornando pouco a pouco uma velha amiga, a se anunciar devagarinho: o cabelo branco, a preguiça, a ruga no rosto, a vista fraca, os achaques. Velha amiga que vem de viagem e de cada porto nos manda um postal, para indicar que já embarcou.
(Crônica publicada no jornal "O Estado de São Paulo" - 13/01/2001)

A Arte de Ser Avó
Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
Quarenta anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto - no entanto! - nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer roquetes, tomar café - café! -, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...
Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!
E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade...
Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...
(O brasileiro perplexo, 1964.)

Geometria dos ventos
Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.
(Poesia feita em homenagem ao poema Geometrida dos Ventos de Álvaro Pacheco)

Telha de vidro
Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que - coitados - tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!
- Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!

A "inspiração" não vem para todos
A noção comum que se tem a respeito do escritor é que pessoas excepcionais, nascidas com o dom de escrever bem o belo, são periodicamente visitadas por uma espécie de iluminação das musas, ou do Espírito Santo, ou de um outro espírito propriamente dito – fenômeno a que se dá o nome de "inspiração". O escritor fica sendo assim uma espécie de agente ou médium, que apenas capta as inspirações sobre ele descidas, manipulando-as no papel graças ‘aquela' dom de nascimento que é a sua marca.
Pode ser que existam esses privilegiados – mas os que conheço são diferentes. Não há nada de súbito, nem de claro, nem de fácil. O processo todo é penoso e dolorido – e se pode comparar a alguma coisa, digamos que se parece muito com um processo fisiológico –, que se assemelha terrivelmente a uma gestação, cujo parto se arrastasse por muitos meses e até anos. Começa você sentindo vagamente que tem umas coisas para dizer ou uma história para contar. Ou, às vezes, ambas. Fica aquilo lá dentro, meio incômodo, meio inchado (na minha terra se diria como "uma dor incausada"), quando um belo dia a coisa dá para se mexer. Surgem frases já inteiras, surgem indefinições que, se você for ladino bastante, anota para depois aproveitar; mas se for o contumaz preguiçoso confia-as à memória e depois as esquece. Dentro da enxurrada de frases e de idéias aparecem, então, as pessoas. Surgem como desencarnados numa sessão espírita – timidamente, imprecisamente. São uma cabeça, um silhueta, uma voz. Neste ponto, com as frases, pensamentos e criaturas (e mormente com o cenário, embora ainda não se haja falado nele), nessa altura, a história já se está arrumando. Você sabe mais ou menos o que contar. Os autores meticulosos, nessa fase dos acontecimentos, já delinearem o que eles costumam chamar de "o plano de obras", ou seja, um esqueleto do enredo. Se é um romance, o esquema será mais amplo – os claros serão facilmente preenchíveis. A história corre a bem dizer por si. Mas se se trata de teatro, o esquema bem linear é imperioso: aquilo tem de ser como um pingue-pongue, ter um crescente constante, uma economia, uma nitidez...
E então chega um dos piores momentos nessa fase embrionária da obra por escrever. O autor enguiça. Falta-lhe imaginação para desenrolar o resto da história, falta a centelha necessária para criar a situação única, indispensável, climática, que será como a tônica do trabalho. E a gente fica numa irritabilidade característica, e numa pena enorme de Deus Nosso Senhor, que é obrigado a dirigir as histórias não apenas de um punhado de personagens mas os milhões de viventes que andam pelo mundo – e se concebe um respeito trêmulo pela divina capacidade de intenção, que tão pouco se repete e tão invariavelmente cria...
Talvez com autores de imaginação rica o fenômeno se passe diferente. É provável que eles, ao contrário de nós, os terra-a-terra, primeiro imaginem um enredo e depois, segundo as necessidades desse enredo, vão criando os personagens e os situando no tempo e no espaço. Aí a sensação criadora deve ser de plenitude e gratificação. Mas esses são os estrelos. A arraia miúda escrevente – ai de nós – é mesmo assim como eu disse: pena, padece e só então escreve.

Noite
Não era um pesadelo, não dava angústia nem medo, mas sonhei que estava morta. Creio que morta de muito, podia dizer mumificada, mas não: estava era como que transformada em terra, tendo de gente apenas a forma e essa mesma se desfazendo aos poucos. Virada numa espécie de estátua de barro e areia, jogada numa elevação nua do solo, num leito de seixos miúdos, sem lhes sentir contudo as asperezas, porque afinal a nossa substância, a dos seixos e a minha, era quase a mesma. Exposta ao sol e à chuva, os cabelos eram como ervas secas, com as raízes mais secas ainda se afundando no crânio argiloso, os braços de terra dura atirados em cruz, as pontas dos dedos se esfarinhando, o nariz, as orelhas, começando a se esbeiçar. Dentro do peito oco uma pedra jazia de encontro à espinha terrosa – e aquela pedra era o meu coração.
Claro que, estando morta, eu não tinha consciência nem sentidos: a pessoa que via aquele monte de terra com forma de gente, cuja poeira o vento levantava um pouco, essa pessoa não sei quem era. Nem seria um desdobramento da morte, nem sei com que olhos eu me enxergava. Era antes uma percepção que, não sendo consciente, também não era sequer subconsciente, ficava mais baixo disso, era uma percepção elementar, vaga e morfina, sem sentido de dor nem de nada, apenas aquela como intuição de que estava presente, de que eu era. A pura sensação da presença, apenas, desacompanhada de qualquer outra.
E então começou a chover. A princípio a água peneirava em cima da forma ressequida, ia-se embebendo nela, e os contornos esbatidos se acusavam, criando até uma ilusão de vida. Mas, à medida que a chuva engrossava, a água escorria pela face do vulto de terra e ia carregando consigo um pouco dessa terra e tanto a face, como os dedos, como os contornos do corpo, aos poucos iam se apagando, se dissolvendo, arrastados pela chuva. Passado um tempo, já não havia mais silhueta humana no vulto que se reduzia a um montão de terra, oblongo, como os que se erguem por cima das covas recentes. Parte da terra formada no que tinha sido eu, arrastada pelos regatos da chuva, ia ficando depositada no caminho, em alguma depressão; a outra parte, que a correnteza apanhara com mais força, era carregada até um grande prato d'água que ficava próximo e não era lago nem mar, antes um alagadiço de águas mortas, com raízes negras no fundo de lodo, ramos e folhas verdes emergindo em ilhas redondas, na superfície.
Por fim, do meu vulto deitado naquele cabeço de terreno não restava mais nada senão alguns montículos irreconhecíveis. E, com a substância dele, também se fora aquela sensação de vida elementar, aquele sentido de presença que, de certo modo, testemunhara o sonho. E o limo e a água e as folhas do alagadiço, já não mais açoitados pela chuva, tornaram a dormir, num grande silêncio.






RACHEL DE QUEIROZ

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Rachel de Queiroz (Fortaleza17 de novembro de 1910 — Rio de Janeiro4 de novembro de 2003) foi uma tradutora, romancista, escritora,jornalista, cronista prolífica e importante dramaturga brasileira.
Autora de destaque na ficção social nordestina. Foi primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Em 1993, foi a primeira mulher galardoada com o Prêmio Camões,2 equivalente ao Nobel, na língua portuguesa. Ingressou na Academia Cearense de Letras no dia 15 de agosto de 1994 na ocasião do centenário da instituição
Biografia
Rachel de Queiroz com os amigos Adonias Filho (esquerda), e Gilberto Freyre (direita).
Rachel era filha de Daniel de Queiroz Lima e Clotilde Franklin de Queiroz, descendente pelo lado materno da família de José de Alencar.4
Em 1917, após uma grande seca, muda-se com seus pais para o Rio de Janeiro e logo depois para Belém doPará. Retornou para Fortaleza dois anos depois.2
Em 1925 concluiu o curso normal no Colégio da Imaculada Conceição. Estreou na imprensa no jornal O Ceará, escrevendo crônicas e poemas de caráter modernista sob o pseudônimo de Rita de Queluz. No mesmo ano lançou em forma de folhetim o primeiro romance, História de um Nome.
Aos vinte anos, ficou nacionalmente conhecida ao publicar O Quinze (1930), romance que mostra a luta do povo nordestino contra a seca e a miséria. Demonstrando preocupação com questões sociais e hábil na análise psicológica de seus personagens, destacase no desenvolvimento do romance nordestino.
Começa a se interessar em política social em 1928-1929 ao ingressar no que restava do Bloco Operário Camponês em Fortaleza, formando o primeiro núcleo do Partido Comunista Brasileiro. Em 1933, começa a dissentir da direção e se aproxima de Lívio Xavier e de seu grupo em São Paulo, lá indo morar até 1934. Milita então com Aristides Lobo,2 Plínio MelloMário Pedrosa, Lívio Xavier, se filiando ao sindicato dos professores de ensino livre, controlado naquele tempo pelos trotskistas.
Depois, viaja para o norte em 1934, lá permanecendo até 1939. Já escritora consagrada, muda-se para o Rio de Janeiro. No mesmo ano foi agraciada com o Prêmio Felipe d'Oliveira pelo livro As Três Marias. Escreveu ainda João Miguel (1932), Caminhos de Pedras (1937) e O Galo de Ouro (1950).4
Foi presa em 1937, em Fortaleza, acusada de ser comunista. Exemplares de seus romances foram queimados. Em 1964, apoiou a ditadura militar que se instalou no Brasil. Integrou o Conselho Federal de Cultura e o diretório nacional da ARENA, partido político de sustentação do regime.5
Lançou Dôra, Doralina em 1975, e depois Memorial de Maria Moura (1992), saga de uma cangaceira nordestina adaptada para a televisão em 1994 numa minissérie apresentada pela Rede Globo. Exibida entre maio e junho de 1994 no Brasil, foi apresentada em AngolaBolíviaCanadáGuatemalaIndonésiaNicaráguaPanamáPeruPorto RicoPortugalRepública DominicanaUruguaiVenezuela, sendo lançada em DVD em 2004.
Publicou um volume de memórias em 1998. Transforma a sua "Fazenda Não Me Deixes", propriedade localizada em Quixadá, estado do Ceará, em reserva particular do patrimônio natural. Morreu em 4 de novembro de 2003, vítima de problemas cardíacos, no seu apartamento no Rio de Janeiro, dias antes de completar 93 anos.2
Durante trinta anos escreveu crônicas para a revista semanal O Cruzeiro e com o fim desta para o jornal O Estado de S.Paulo.6
Academia Brasileira de Letras
Concorreu contra o jurista Pontes de Miranda para a vaga de Cândido Mota Filho da cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras. Venceu o pleito ocorrido em 4 de agosto de 1977 por 23 votos, contra 15 dados ao opositor e um em branco. Foi empossada em 4 de novembro de 1977.7 Recebida por Adonias Filho, foi a quinta ocupante da cadeira 5, que tem como patrono Bernardo Guimarães.
Prêmios outorgados (os principais)
Prêmio Fundação Graça Aranha para O quinze, 1930
·         Prêmio Sociedade Felipe d' Oliveira para As Três Marias, 1939
·         Prêmio Saci, de O Estado de São Paulo, para Lampião, 1954
·         Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de obra, 1957
·         Prêmio Teatro, do Instituto Nacional do Livro, e Prêmio Roberto Gomes, da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, para A beata Maria do Egito, 1959
·         Prêmio Jabuti de Literatura Infantil, da Câmara Brasileira do Livro (São Paulo), para O menino mágico, 1969
·         Prêmio Nacional de Literatura de Brasília para conjunto de obra em 1980
·         Título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, em 1981
·         Medalha Marechal Mascarenhas de Morais, em solenidade realizada no Clube Militar, em 1983
·         Medalha Rio Branco, do Itamarati, 1985;
·         Medalha do Mérito Militar no grau de Grande Comendador, 1986
·         Medalha da Inconfidência do Governo de Minas Gerais, 1989
·         Prêmio Camões, o maior da Língua Portuguesa, 1993, sendo a primeira mulher a recebê-lo
·         Título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, 1993
·         Título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, de Sobral, em 1995
·         Prêmio Moinho Santista de Literatura, 1996, dentre outros inúmeros prêmios e títulos
·         Título Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2000
·         Medalha Boticário Ferreira, da Câmara Municipal de Fortaleza, 2001.
·         Troféu Cidade de Camocim em 20 de Julho de 2001 - Academia Camocinense de Letras e Prefeitura Municipal de Camocim
Obras
Principais
·         O quinze, romance 1930, tradução francesa com o título "L'année de la grande sécheresse",Stock,Paris,1986,ISBN 2-234-01933-8
·         João Miguel, romance (1932)
·         Caminho de pedras, romance (1937)
·         As Três Marias, romance (1939)
·         A donzela e a moura torta, crônicas (1948)
·         O galo de ouro, romance (folhetins na revista O Cruzeiro, 1950)
·         Lampião - peça de teatro (1953)
·         A beata Maria do Egito- peça de teatro (1958)
·         Lampião; A Beata Maria do Egito (livro-2005)
·         Cem crônicas escolhidas (1958)
·         O brasileiro perplexo, crônicas (1964)
·         O caçador de tatu, crônicas (1967)
·         Um Alpendre, uma rede, um açude - 100 crônicas escolhidas
·         O homem e o tempo - 74 crônicas escolhidas
·         O menino mágico, infanto-juvenil (1969)
·         Dôra, Doralina, romance (1975)
·         As menininhas e outras crônicas (1976)
·         O jogador de sinuca e mais historinhas (1980)
·         Cafute e Pena-de-Prata, infanto-juvenil (1986)
·         Memorial de Maria Moura, romance (1992)
·         As terras ásperas (1993)
·         Teatro, teatro (1995)
·         Nosso Ceará, relato, (1997) (em parceria com a irmã Maria Luiza de Queiroz Salek)
·         Tantos Anos, autobiografia (1998) (com a irmã Maria Luiza de Queiroz Salek)
·         Não me deixes: suas histórias e sua cozinha, memórias gastronômicas (2000) (com Maria Luiza de Queiroz Salek)
Reunidas de ficção
·         Três romances (1948)
·         Quatro romances (1960)
·         Seleta, seleção de Paulo Rónai; notas e estudos de Renato Cordeiro Gomes (1973)
No dia 4 de dezembro de 2003, um mês depois de sua morte, foi lançado na Academia Brasileira de Letras o livro Rachel de Queiroz, um perfil biográfico da escritora, fruto de uma longa pesquisa realizada pela jornalista Socorro Acioli, publicado pelas Edições Demócrito Rocha.
Sua biografia foi narrada no livro No Alpendre com Rachel, de autoria de José Luís Lira, lançado na Academia Brasileira de Letras em 10 de julho de 2003, poucos meses antes do falecimento da escritora.