CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Os
abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a
crise econômica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a
crise cafeeira, a Revolução de 1930, o acelerado declínio do nordeste condicionaram
um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais amadurecido, mais
moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais brasileira, por um
enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo, principalmente no
plano da narrativa documental, temos também o romance nordestino, liberdade
temática e rigor estilístico.
Os
romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações
sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela
terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.
Graciliano
Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não
cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos
jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e
política elegendo-se prefeito em 1927.
Foi
preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta fase escreveu "Memórias do
Cárcere", um sério depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do
cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista
Brasileiro.
Graciliano
estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Berdado, verdadeira obra
prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e
Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis.
Podemos
justificar isto com passagens do texto:
"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."
"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"
"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".
"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."
"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"
"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".
ESTUDO DOS PERSONAGENS
Baleia -
cadela da família, tratado como gente, muito querido pelas crianças.
Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na vida.
Fabiano - nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.
Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem.
Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.
Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).
Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na vida.
Fabiano - nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.
Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem.
Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.
Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).
ESTUDO DA LINGUAGEM
Tipo
de discurso: indireto livre
Foco narrativo: terceira pessoa
Foco narrativo: terceira pessoa
Adjetivos,
figuras de linguagem:
Metáfora: " - você é um bicho, Fabiano".
Prosopopéia: compara Baleia como gente
Metáfora: " - você é um bicho, Fabiano".
Prosopopéia: compara Baleia como gente
ANÁLISE DAS IDÉIAS
Comentário
Crítico:
Esse
livro retrata fielmente a realidade brasileira não só da época em que o livro
foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustiça social, miséria,
fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou
sob condições sub-humanas de sobrevivência.
RESUMO DA OBRA
Mudança
Em
meio à paisagem hostil do sertão nordestino, quatro pessoas e uma cachorrinha
se arrastam numa peregrinação silenciosa _ _ . O menino mais velho, exausto da
caminhada sem fim, deita-se no chão, incapaz de prosseguir, o que irrita
Fabiano, seu pai, que lhe dá estocadas com a faca no intuito de fazê-lo
levantar. Compadecido da situação do pequeno, o pai toma-o nos braços e
carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta _ .
A
cadela Baleia acompanha o grupo de humanos agora sem a companhia do outro
animal da família, um papagaio, que fora sacrificado na véspera a fim de
aplacar a fome que se abatia sobre aquelas pessoas. Na verdade, era um papagaio
estranho, que pouco falava, talvez porque convivesse com gente que também
falava pouco _ _ .
Errando
por caminhos incertos, Fabiano e família encontram uma fazenda completamente
abandonada. Surge a intenção de se fixar por ali. Baleia aparece com um preá
entre os dentes, causando grande alegria aos seus donos. Haveria comida.
Descendo ao bebedouro dos animais, em meio à lama, Fabiano consegue água. Há
uma alegria em seu coração, novos ventos parecem soprar para a sua família.
Pensa em Seu Tomás da bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos.
A
inesperada caça é preparada, o que garante um rápido momento de felicidade ao
grupo. No céu, já escuro, uma nuvem - sempre um sinal de esperança. Fabiano deseja
estabelecer-se naquela fazenda. Será o dono dela. A vida melhorará para todos _
.
Fabiano
Em
vão Fabiano procura por uma raposa. Apesar do fracasso da empreitada, ele está
satisfeito. Pensa na situação da família, errante, passando fome, quando da chegada
àquela fazenda. Estavam bem agora _ _ . Fabiano se orgulha de vencer as
dificuldades tal qual um bicho. Agora ele era um vaqueiro, apesar de não ter um
lugar próprio para morar. A fazenda aparentemente abandonada tinha um dono, que
logo aparecera e reclamara a posse do local. A solução foi ficar por ali mesmo,
servindo ao patrão, tomando conta do local. Na verdade, era uma situação
triste, típica de quem não tem nada e vive errante. Sentiu-se novamente
um animal, agora com uma conotação negativa. Pouco falava, admirava e tentava
imitar a fala difícil das pessoas da cidade. Era um bicho _ .
A
uma pergunta de um dos filhos, Fabiano irrita-se. Para que perguntar as coisas?
Conversaria com Sinha Vitória sobre isso. Essas coisas de pensamento não
levavam a nada. Seu Tomás da bolandeira, apesar de admirado por Fabiano pelas
suas palavras difíceis, não acabara como todo mundo? As palavras, as idéias,
seduziam e cansavam Fabiano.
Pensou
na brutalidade do patrão, a tratá-lo como um traste. Pensou em Sinha Vitória e
seu desejo de possuir uma cama igual à de Seu Tomás da bolandeira. Eles não
poderiam ter esse luxo, cambembes que eram. Sentiu-se confuso. Era um forte ou
um fraco, um homem ou um bicho _ ? Sentia, por vezes, ímpeto de lutador e
fraqueza de derrotado.
Lembrando
dos meninos, novamente, achou que, quando as coisas melhorassem, eles poderiam
se dar ao luxo daquelas coisas de pensar. Por ora, importante era sobreviver.
Enquanto as coisas não melhorassem, falaria com Sinha Vitória sobre a educação
dos pequenos.
Cadeia
Fabiano
vai à feira comprar mantimentos, querosene e um corte de chita vermelha.
Injuriado com a qualidade do querosene e com o preço da chita, resolve beber um
pouco de pinga na bodega de seu Inácio. Nisso, um soldado amarelo
convida-o para um jogo de cartas. Os dois acabam perdendo, o que irrita o
soldado, que provoca Fabiano quando esse está de partida. A idéia do jogo havia
sido desastrosa. Perdera dinheiro, não levaria para casa o prometido. Fabiano,
agora, pensava em como enganar Sinha Vitória, mas a dificuldade de engendrar um
plano o atormentava.
O
soldado, provocador, encara o vaqueiro e barra-lhe a passagem. Pisa no pé de
Fabiano que, tentando contornar a situação à sua maneira, agüenta os insultos
até o possível, terminando por xingar a mãe do soldado amarelo. Destacamento à
sua volta. Cadeia. Fabiano é empurrado, humilhado publicamente.
No
xadrez, pensa por que havia acontecido tudo aquilo com ele. Não fizera nada, se
quisesse até bateria no mirrado amarelo, mas ficara quieto. Em meio a rudes
indagações, enfureceu-se, acalmou-se, protestou inocência _ . Amolou-se com o
bêbado e com a quenga que estavam em outra cela. Pensou na família. Se não
fosse Sinha Vitória e as crianças, já teria feito uma besteira por ali mesmo.
Quando deixaria que um soldadinho daqueles o humilhasse tanto? Arquitetou
vinganças, gritou com os outros presos e, no meio de sua incompreensão com os
fatos, sentiu a família como um peso a carregar _ .
Sinha
Vitória
Naquele
dia, Sinha Vitória amanhecera brava. A noite mal dormida na cama de varas era o
motivo de sua zanga. Falara pela manhã, mais uma vez, com Fabiano sobre a
dificuldade de dormir naquela cama. Queria uma cama de lastro de couro, como a
de Seu Tomás da bolandeira, como a de pessoas normais.
Havia
um ano que discutia com o marido a necessidade de uma cama decente e, em meio a
uma briga por causa das "extravagâncias" de cada um, Sinha Vitória
certa vez ouviu Fabiano dizer-lhe que ela ficava ridícula naqueles sapatos de
verniz, caminhando como um papagaio, trôpega, manca. A comparação machucou-a _
.
Agora,
ela irritava-se com o ronco de Fabiano ao lembrar-se de suas palavras.
Circulando pela casa, fazia suas tarefas em meio a reza e a atenção ao que
acontecia lá fora. Por pensar ainda na cama e na comparação maldosa de Fabiano,
quase esqueceu de pôr água na comida. Veio-lhe a lembrança do bebedouro em que
só havia lama. Medo da seca. Olhou de novo para seus pés e inevitavelmente
achou Fabiano mau _ . Pensou no papagaio e sentiu pena dele _ .
Lá
fora, os meninos brincavam em meio à sujeira. Dentro de casa, Fabiano roncava
forte, seguro, o que indicava a Sinha Vitória que não deveria haver perigo
algum por ali. A seca deveria estar longe _ . As coisas, agora, pareciam mais
estáveis, apesar de toda a dificuldade. Lembrou-se de como haviam sofrido em
suas andanças. Só faltava uma cama. No fundo, até mesmo Fabiano queria uma cama
nova.
O
Menino mais novo
A
imagem altiva do pai foi que lhe fez surgir a idéia. Fabiano, armado como
vaqueiro, domava a égua brava com o auxílio de Sinha Vitória. O espetáculo grosseiro
excitava o menor dos garotos, impressionado com a façanha do pai e disposto a
fazer algo que também impressionasse o irmão mais velho e a cachorra Baleia _ .
No dia seguinte, acordou disposto a imitar a façanha do pai. Para tanto, quis
comunicar a intenção ao mano, mas evitou, com medo de ser ridicularizado.
Quando
as cabras foram ao bebedouro, levadas pelo menino mais velho e por
Baleia, o pequeno tomou o bode como alvo de sua ação. Sentia-se altivo
como Fabiano quando montava. No bebedouro, o garoto despencou da ribanceira
sobre o animal, que o repeliu. Insistente, tentou se aprumar mas foi sacudido
impiedosamente, praticando um involuntário salto mortal que o deixou, tonto,
estatelado ao chão. O irmão mais velho ria sem parar do ridículo espetáculo,
Baleia parecia desaprovar toda aquela loucura _ . Fatalmente seria repreendido
pelos pais. Retirou-se humilhado, alimentando a raivosa certeza de que seria
grande, usaria roupas de vaqueiro, fumaria cigarros e faria coisas que
deixariam Baleia e o irmão admirados.
O
Menino mais velho
Aquela
palavra tinha chamado a sua atenção: inferno. Perguntou à Sinha Vitória, vaga
na resposta. Perguntou a Fabiano, que o ignorou. Na volta à Sinha Vitória,
indagou se ela já tinha visto o inferno. Levou um cascudo e fugiu indignado.
Baleia fez-lhe companhia tentando alegrá-lo naquela hora difícil.
Decidiu
contar à cachorrinha uma história, mas o seu vocabulário era muito restrito,
quase igual ao do papagaio que morrera na viagem _ . Só Baleia era sua amiga
naquele momento. Por que tanta zanga com uma palavra tão bonita ? A culpa era
de Sinha Terta, que usara aquela palavra na véspera, maravilhando o ouvido
atento do garoto mais velho.
Olhou
para o céu e sentiu-se melancólico. Como poderiam existir estrelas? Pensou
novamente no inferno. Deveria ser, sim, um lugar ruim e perigoso, cheio de
jararacas e pessoas levando cascudos e pancadas com a bainha da faca _ . Sempre
intrigado, abraçou-se à Baleia como refúgio _ .
Inverno
Todos
estavam reunidos em volta do fogo, procurando aplacar o frio causado pelo vento
e pela água que agitava a paisagem fora da casa. Chegara o inverno, e isso
reunia a família próxima à fogueira. Pai e mãe conversavam daquele jeito de
sempre, estranho, e os meninos, deitados, ficavam ouvindo as histórias inventadas
por Fabiano, de feitos que ele nunca tinha realizado, aventuras nunca vividas.
Quando o mais velho levantou-se para buscar mais lenha, foi repreendido
severamente pelo pai, aborrecido pela interrupção de sua narrativa.
A
chuva dava à família a certeza de que a seca não chegaria por enquanto. Isso
alegrava Fabiano. Sinha Vitória, porém, temia por uma inundação que os fizesse
subir ao morro, novamente errantes. A água, lá fora, ampliava sua invasão.
Fabiano
empolgava-se mais ainda em contar suas façanhas _ . A chuva tinha vindo em boa
hora. Após a humilhação na cidade, decidira que, com a chegada da seca,
abandonaria a família e partiria para a vingança contra o soldado amarelo e
demais autoridades que lhe atravessassem o caminho. A chegada das águas
interrompera aqueles planos sinistros. Em meio à narrativa empolgada, Fabiano
imaginava que as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, Sinha Vitória até
pudesse ter a cama tão desejada.
Para
o filho mais novo, o escuro e as sombras geradas pela fogueira faziam da imagem
do pai algo grotesco, exagerado. Para o mais velho, a alteração feita por
Fabiano na história que contava era motivo de desconfiança. Algo não cheirava
bem naquele enredo _ . Sempre pensativo, o menino mais velho dormiu pensando na
falha do pai e nos sapos que estariam lá fora, no frio.
Baleia,
incomodada com a arenga de Fabiano, procurava sossego naquela paisagem
interior. Queria dormir em paz, ouvindo o barulho de fora _ .
Festa
A
família foi à festa de Natal na cidade. Todos vestidos com suas melhores
roupas, num traje pouco comum às suas figuras, o que lhes dava um ar ridículo.
A caminhada longa tornava-se ainda mais cansativa por causa daquelas roupas e
sapatos apertados. O mal-estar era geral, até que Fabiano cansou-se da situação
e tirou os sapatos, metendo as meias no bolso, livrando-se ainda do paletó e da
gravata que o sufocava. Os demais fizeram o mesmo. Voltaram ao seu natural.
Baleia juntou-se ao grupo _ .
Chegando
à cidade, foram todos lavar-se à beira de um riacho antes de se integrarem à
festa. Sinha Vitória carregava um guarda-chuva. Fabiano marchava teso. Os
meninos maravilham-se, assustados, com tantas luzes e gente. A igreja, com as
imagens nos altares, encantou-os mais ainda. O pai espremia-se no meio da
multidão, sentindo-se cercado de inimigos. Sentia-se mangado por aquelas
pessoas que o viam em trajes estranhos à sua bruta feição. Ninguém na cidade
era bom. Lembrou-se da humilhação imposta pelo soldado amarelo quando estivera
pela última vez na cidade.
A
família saiu da igreja e foi ver o carrossel e as barracas de jogos. Como Sinha
Vitória negou-lhe uma aposta no bozó, Fabiano afastou-se da família e foi beber
pinga _ . Embriagando-se, foi ficando valente. Imaginava, com raiva, por onde
andava o soldado amarelo. Queria esganá-lo. No meio da multidão, gritava,
provocava um inimigo imaginário _ . Queria bater em alguém, poderia matar se
fosse o caso _ . Vez ou outra, interrompia suas imprecações para uma confusa
reflexão. Cansado do seu próprio teatro, Fabiano deitou no chão, fez das suas
roupas um travesseiro e dormiu pesadamente.
Sinha
Vitória, aflita, tinha que olhar os meninos, não podia deixar o marido naquele
estado. Tomando coragem para realizar o que mais queria naquele momento,
discretamente esgueirou-se para uma esquina e ali mesmo urinou. Em seguida,
para completar o momento de satisfação, pitou num cachimbo de barro pensando
numa cama igual à de seu Tomas da bolandeira .
Os
meninos também estavam aflitos. Baleia sumira na confusão de pessoas, e o medo
de que ela se perdesse e não mais voltasse era grande. Para alívio dos
pequenos, a cachorrinha surge de repente e acaba com a tensão. Restava, agora,
aos pequenos, o maravilhamento com tudo de novo que viam. O menor perguntou ao
mais velho se tudo aquilo tinha sido feito por gente. A dúvida do maior era se
todas aquelas coisas teriam nome. Como os homens poderiam guardar tantas
palavras para nomear as coisas _ ?
Distante
de tudo, Fabiano roncava e sonhava com soldados amarelos.
Baleia
Pêlos
caídos, feridas na boca e inchaço nos beiços debilitaram Baleia de tal modo que
Fabiano achou que ela estivesse com raiva. Resolveu sacrificá-la. Sinha Vitória
recolheu os meninos, desconfiados, a fim de evitar-lhes a cena.
Baleia
era considerada como um membro da família, por isso os meninos protestaram,
tentando sair ao terreiro para impedir a trágica atitude do pai. Sinha Vitória
lutava com os pequenos, porque aquilo era necessário, mas aos primeiros
movimentos do marido para a execução, lamentou o fato de que ele não tivesse
esperado mais para confirmar a doença da cachorrinha.
Ao
primeiro tiro, que pegou o traseiro da cachorra e inutilizou-lhe uma perna, as
crianças começaram a chorar desesperadamente.
Começou,
lá fora, o jogo estratégico da caça e do caçador. Baleia sentia o fim próximo,
tentava esconder-se e até desejou morder Fabiano. Um nevoeiro turvava a visão
da cachorrinha, havia um cheiro bom de preás. Em meio à agonia, tinha raiva de
Fabiano, mas também o via como o companheiro de muito tempo. A vigilância às
cabras, Fabiano, Sinha Vitória e as crianças surgiam à Baleia em meio a uma
inundação de preás que invadiam a cozinha _ . Dores e arrepios. Sono. A morte
estava chegando para Baleia.
Contas
Fabiano
retirava para si parte do que rendiam os cabritos e os bezerros. Na hora de
fazer o acerto de contas com o patrão, sempre tinha a sensação de que havia
sido enganado. Ao longo do tempo, com a produção escassa, não conseguia
dinheiro e endividava-se.
Naquele
dia, mais uma vez Fabiano pedira a Sinha Vitória para que ela fizesse as
contas. O patrão, novamente, mostrou-lhe outros números. Os juros causavam a
diferença, explicava o outro. Fabiano reclamou, havia engano, sim senhor, e aí
foi o patrão quem estrilou. Se ele desconfiava, que fosse procurar outro
emprego. Submisso, Fabiano pediu desculpas e saiu arrasado, pensando mesmo que
Sinha Vitória era quem errara.
Na
rua, voltou-lhe a raiva. Lembrou-se do dia em que fora vender um porco na
cidade e o fiscal da prefeitura exigira o pagamento do imposto sobre a venda.
Fabiano desconversou e disse que não iria mais vender o animal. Foi a uma outra
rua negociar e, pego em flagrante, decidiu nunca mais criar porcos _ .
Pensou
na dificuldade de sua vida. Bom seria se pudesse largar aquela exploração. Mas
não podia! Seu destino era trabalhar para os outros, assim como fora com seu
pai e seu avô.
As
notas em sua mão impressionavam-no. "Juros", palavra difícil que os
homens usavam quando queriam enganar os outros. Era sempre assim: bastavam
palavras difíceis para lograr os menos espertos. Contou e recontou o dinheiro
com raiva de todas aquelas pessoas da cidade. Sinha Vitória é que entendia seus
pensamentos.
Teve
vontade de entrar na bodega de seu Inácio e tomar uma pinga. Lembrou-se da
humilhação passada ali mesmo e decidiu ir para casa. o céu, várias estrelas.
Deixou de lado a lembrança dos inimigos e pensou na família. Sentiu dó da
cachorra Baleia. Ela era um membro da família.
O
Soldado Amarelo
Procurando
uma égua fugida, Fabiano meteu-se por uma vereda e teve o cabresto embaraçado
na vegetação local. Facão em punho, começou a cortar as quipás e palmatórias
que impediam o prosseguimento da busca. Nesse momento, depara-se com o soldado
amarelo que o humilhara um ano atrás _ . O cruzar de olhos e o reconhecimento
durou fração de segundos. O suficiente para que Fabiano esfolasse o inimigo. O
soldado claramente tremia de medo. Também reconhecera o desafeto antigo e
pressentia o perigo.
Fabiano
irritou-se com a cena. O outro era um nadica. Poderia matá-lo com as mãos, sem
armas, se quisesse. A fragilidade do outro aos poucos foi aplacando a raiva de
Fabiano. Ponderou que ele mesmo poderia ter evitado a noite na cadeia se não
tivesse xingado a mãe do amarelo. No meio daquela paisagem isolada e hostil, só
os dois, e se ele pedisse passagem ao soldado? Aproximou-se do outro pensando
que já tinha sido mais valente, mais ousado. Na verdade, na fração de segundo
interminável Fabiano ia descobrindo-se amedrontado. Se ele era um homem de bem,
para que arruinar a sua vida matando uma autoridade? Guardaria forças para
inimigo maior.
Sentindo
o inimigo acovardado, o soldado ganhou força. Avançou firme e perguntou o
caminho. Fabiano tirou o chapéu numa reverência e ainda ensinou o caminho ao
amarelo.
O
Mundo Coberto de Penas
A
invasão daquele bando de aves denunciava a chegada da seca. Roubavam a água do
gado, matariam bois e cabras. Sinha Vitória inquietou-se. Fabiano quis ignorar,
mas não pôde; a mulher tinha razão. Caminhou até o bebedouro, onde as aves
confirmavam o anúncio da seca. Eram muitas. Um tiro de espingarda eliminou
cinco, seis delas, mas eram muitas. Fabiano tinha certeza, agora, de uma nova
peregrinação, uma nova fuga.
Era
só desgraça atrás de desgraça. Sempre fugido, sempre pequeno. Fabiano não se
conformava, pensava com raiva no soldado amarelo, achava-se um covarde, um
fraco. Irado, matou mais e mais aves. Serviriam de comida, mas até quando ?
Quem sabe a seca não chegasse...Era sempre uma esperança. Mas o céu escuro de
arribações só confirmava a triste situação _ . Elas cobriam o mundo de penas,
matando o gado, tocando a ele e à família dali, quem sabe comendo-os.
Recolheu
os cadáveres das aves e sentiu uma confusão de imagens em sua cabeça. Aquele lugar
não era bom de se viver. Lembrou-se de Baleia, tentou se convencer de que não
fizera errado em matá-la, pensou de novo na família e no que as arribações
representavam. Sim, era necessário ir embora daquele lugar maldito _ . Sinha
Vitória era inteligente, saberia entender a urgência dos fatos.
Fuga
O
céu muito azul, as últimas arribações e os animais em estado de miséria
indicavam a Fabiano que a permanência naquela fazenda estava esgotada. Chegou
um ponto em que, dos animais, só sobrou um bezerro, que foi morto para servir
de comida na viagem que se faria no dia seguinte.
Partiram
de madrugada, abandonando tudo como encontraram. O caminho era o do sul. O
grupo era o mesmo que errava como das outras vezes. Fabiano, no fundo, não
queria partir, mas as circunstâncias convenciam-no da necessidade.
A
vermelhidão do céu, o azul que viria depois assustavam Fabiano _ . Baleia era
uma imagem constante em seus confusos pensamentos. Sinha Vitória também
fraquejava. Queria, precisava falar _ . Aproximou-se do marido e disse coisas
desconexas, que foram respondidas no mesmo nível de atrapalhação.
Na verdade, ele gostou que ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido, quem sabe a vida fosse melhor, longe dali, com uma nova ocupação para ele. Marido e mulher elogiam-se mutuamente; ele é forte, agüenta caminhar léguas, ela, tem pernas grossas e nádegas volumosas, agüenta também. A cidade, talvez, fosse melhor. Até uma cama poderiam arranjar. Por que haveriam de viver sempre como bichos fugidos _ ?
Na verdade, ele gostou que ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido, quem sabe a vida fosse melhor, longe dali, com uma nova ocupação para ele. Marido e mulher elogiam-se mutuamente; ele é forte, agüenta caminhar léguas, ela, tem pernas grossas e nádegas volumosas, agüenta também. A cidade, talvez, fosse melhor. Até uma cama poderiam arranjar. Por que haveriam de viver sempre como bichos fugidos _ ?
Os
meninos, longe, despertavam especulações ao casal. O que seriam quando
crescessem? Sinha Vitória não queria que fossem vaqueiros. O cansaço ia
chegando à medida que avançava a caminhada, e assim houve uma parada para
descanso. Novamente marido e mulher conversavam, fazendo planos, temendo o mau
agouro das aves que voavam no céu.
Sinha
Vitória acordou os pequenos, que dormiam, e seguiu-se viagem. Fabiano ainda
admirou a vitalidade da mulher. Era forte mesmo! Assim, a cada passo arrastado
do grupo um mundo de novas perspectivas ia sendo criado. Sinha Vitória falava e
estimulava Fabiano. Sim, deveria haveria uma nova terra, cheia de
oportunidades, distante do sertão a formar homens brutos e fortes como eles
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