quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

TEXTOS NARRATIVOS


          Organizando as atividades para o Ensino Médio, resolvi publicar alguns textos que proponho como leitura em sala de aula.
              Textos específicos para a disciplina de REDAÇÃO - 2ºE.M. para trabalharmos as estrutura narrativa, textos de autores que adoro e que ajudam a despertar a imaginação da turminha para resolver as atividades que serão propostas... Boa leitura!!!! 

O SONHO DOS RATOS   --  Rubem Alves
Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do soalho de uma velha casa. Havia ratos de todos os tipos, grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, do campo e da cidade. Mas ninguém ligava às diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: Um Queijo Enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo, era a suprema felicidade. Bem pertinho é modo de dizer. Na verdade, o queijo estava muito longe, porque entre ele e os ratos estava um gato. O gato era malvado, tinha os dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes, fingia dormir, mas bastava que um ratinho, mais corajoso, se aventurasse para fora do buraco, para que o gato desse um pulo e… era uma vez um ratinho!
Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum tornava-os cúmplices de um mesmo desejo: A Morte do Gato!
Como nada podiam fazer, reuniam-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem…), e chegaram mesmo a escrever livros com crítica filosófica sobre gatos.  Diziam que, um dia chegaria, em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais.” Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam, “então todos seriam felizes”…
- O queijo é grande o bastante para todos, diziam uns.
- Socializaremos o queijo, diziam outros.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bom quando o gato morresse, sonhavam eles. Nos seus sonhos, comiam o queijo e quanto mais o comiam, mais ele crescia, porque essa era a principal característica dos queijos imaginados… Não diminuem…crescem sempre! E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando:  "Ao queijo, já!”…
Sem que ninguém pudesse explicar como, o facto é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha desaparecido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar apenas uns passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era! O gato tinha desaparecido mesmo.
Chegara o dia glorioso! E dos ratos surgira um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu! Bastou a primeira mordidela. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem. Assim, quanto maior for o número de ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros, como se de inimigos se tratassem. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram…Arreganharam os dentes…Esqueceram-se do gato. Passaram a ser os seus próprios inimigos.
A luta começou! Os mais fortes expulsaram os mais fracos, à dentada. E, acto contínuo, começaram a lutar entre si. Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a Ordem. O Projecto de Socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários, para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”. Mas, como jamais rato algum abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar à espera…
Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que tinha acontecido. O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o estilo do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra…
Os ratos magros não conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo o Rato que fica Dono de Queijo torna-se Gato! Não é por acaso que os nomes são tão parecidos.
Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/06/356871.shtml, acessado em 07 de abril de 2010. 


Meu Primeiro Beijo - Antonio Barreto
É dificil acreditar, mas meu primeiro beijo foi num ônibus, na volta da escola. E sabem com quem? Com o Cultura Inútil! Pode? Até que foi legal. Nem eu nem ele sabíamos exatamente o que era "o beijo". Só de filme. Estávamos virgens nesse assunto, e morrendo de medo. Mas aprendemos. E foi assim...
Não sei se numa aula de Biologia ou de Química, o Culta tinha me mandado um dos seus milhares de bilhetinhos:
" Você é a glicose do meu metabolismo.
Te amo muito!
Paracelso"
E assinou com uma letrinha miúda: Paracelso. Paracelso era outro apelido dele. Assinou com letrinha tão minúscula que quase tive dó, tive pena, instinto maternal, coisas de mulher...E também não sei por que: resolvi dar uma chance pra ele, mesmo sem saber que tipo de lance ia rolar.
No dia seguinte, depois do inglês, pediu pra me acompanhar até em casa. No ônibus, veio com o seguinte papo:
- Um beijo pode deixar a gente exausto, sabia? - Fiz cara de desentendida.
Mas ele continuou:
- Dependendo do beijo, a gente põe em ação 29 músculos, consome cerca de 12 calorias e acelera o coração de 70 para 150 batidas por minuto. - Aí ele tomou coragem e pegou na minha mão. Mas continuou salivando seus perdigotos:
- A gente também gasta, na saliva, nada menos que 9 mg de água; 0,7 mg de albumina; 0,18 g de substâncias orgânica; 0,711 mg de matérias graxas; 0,45 mg de sais e pelo menos 250 bactérias...
Aí o bactéria falante aproximou o rosto do meu e, tremendo, tirou seus óculos, tirou os meus, e ficamos nos olhando, de pertinho. O bastante para que eu descobrisse que, sem os óculos, seus olhos eram bonitos e expressivos, azuis e brilhantes. E achei gostoso aquele calorzinho que envolvia o corpo da gente. Ele beijou a pontinha do meu nariz, fechei os olhos e senti sua respiração ofegante. Seus lábios tocaram os meus. Primeiro de leve, depois com mais força, e então nos abraçamos de bocas coladas, por alguns segundos.
E de reperente o ônibus já havia chegado no ponto final e já tínhamos transposto , juntos, o abismo do primeiro beijo.
Desci, cheguei em casa, nos beijamos de novo no portão do prédio, e aí ficamos apaixonados por vária semanas. Até que o mundo rolou, as luas vieram e voltaram, o tempo se esqueceu do tempo, as contas de telefone aumentaram, depois diminuíram...e foi ficando nisso. Normal. Que nem meu primeiro beijo. Mas foi inesquecível!
BARRETO, Antonio. Meu primeiro beijo. Balada do primeiro amor. São Paulo: FTD, 1977. p. 134-6.


Eduardo E Mônica - Legião Urbana - Composição: Renato Russo
Quem um dia irá dizer/Que existe razão?/Nas coisas feitas pelo coração?/E quem irá dizer/Que não existe razão?/Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar/Ficou deitado e viu que horas eram/Enquanto Mônica tomava um conhaque/No outro canto da cidade, como eles disseram.../Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer/E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.../Um carinha do cursinho do Eduardo que disse:/"Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir/"Festa estranha, com gente esquisita/"Eu não 'to' legal, não aguento mais birita/"E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais/Sobre o boyzinho que tentava impressionar/E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa/"É quase duas, eu vou me ferrar.../"Eduardo e Mônica trocaram telefone/Depois telefonaram e decidiram se encontrar/O Eduardo sugeriu uma lanchonete,/Mas a Mônica queria ver o filme do Godard/Se encontraram então no parque da cidade/A Mônica de moto e o Eduardo de camelo/O Eduardo achou estranho, e melhor não comentar/Mas a menina tinha tinta no cabelo/Eduardo e Mônica era nada parecidos/Ela era de Leão e ele tinha dezesseis/Ela fazia Medicina e falava alemão/E ele ainda nas aulinhas de inglês/Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus De Van Gogh/ e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud/E o Eduardo gostava de novela/E jogava futebol-de-botão com seu avô/Ela falava coisas sobre o Planalto Central/Também magia e meditação/E o Eduardo ainda tava no esquema "escola, cinema,clube, televisão"./E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente/Uma vontade de se ver/E os dois se encontravam todo dia/E a vontade crescia como tinha de ser.../Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia/Teatro, artesanato, e foram viajar/A Mônica explicava pro Eduardo/Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar.../Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer/E decidiu trabalhar/E ela se formou no mesmo mês/Que ele passou no vestibular/E os dois comemoraram juntos/E também brigaram juntos, muitas vezes depois/E todo mundo diz que ele completa ela/E vice-versa, que nem feijão com arroz/Construíram uma casa há uns dois anos atrás/Mais ou menos quando os gêmeos vieram/Batalharam grana, seguraram legal/A barra mais pesada que tiveram/Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília/E a nossa amizade dá saudade no verão/Só que nessas férias, não vão viajar/Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação/Ah! Ahan!/E quem um dia irá dizer/Que existe razão/Nas coisas feitas pelo coração?/E quem irá dizer/Que não existe razão!

TRAGÉDIA BRASILEIRA - Manuel Bandeira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.         
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...         
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

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