CLARICE LISPECTOR
Clarice Lispector, nascida Haia Pinkhasovna Lispector (Tchetchelnik, 10 de
dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de
dezembro de1977) foi uma escritora e jornalista, nasceu na Ucrânia e foi naturalizada brasileira.
Biografia
De origem
judaica, Clarice foi a terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Nasceu
na cidade de Tchetchelnik enquanto
seus pais percorriam várias aldeias da Ucrânia fugindo à perseguição aos judeus durante
a Guerra Civil Russa de
1918-1921. Chegou ao Brasilquando tinha 1 ano
e dois meses de idade[1], e sempre que questionada de sua
nacionalidade, Clarice afirmava não ter nenhuma ligação com a Ucrânia -
"Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" -
e que sua verdadeira pátria era o Brasil.[2]
A família
chega a Maceió em março de 1922,
sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin. Por
iniciativa de seu pai todos mudaram de nome, exceto Tânia, sua irmã. O pai
passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia, sua irmã, Elisa; e Haia, por
fim, Clarice. Pedro passou a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.[1] Com dificuldades de
relacionamento com Rabin e sua família, Pedro decide mudar-se para Recife, então a cidade mais importante do Nordeste.
Clarice
Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na cidade de Recife, onde passou parte da infância no bairro de Boa Vista.
Estudou no Ginásio Pernambucano de 1932 a 1934.
Falava vários idiomas, entre eles o francês e o inglês. Cresceu ouvindo no âmbito
domiciliar o idioma materno, o iídiche.
Sua mãe
morreu em 21 de setembro de 1930 (Clarice tinha apenas 9 anos), após vários
anos sofrendo com as consequências da Sífilis, supostamente contraída por conta
de um estupro sofrido durante a Guerra Civil Russa,
enquanto a família ainda estava na Ucrânia. Clarice sofreu com a morte da mãe,
e muitos de seus textos refletem a culpa que a autora sentia e figuras de
milagres que salvariam sua mãe.[2]
Quando
tinha 15 anos seu pai decidiu se mudar para o Rio de Janeiro. Sua irmã Elisa conseguiu um
emprego no ministério, por intervenção do então ministro Agamenon Magalhães,
enquanto seu pai teve dificuldades em achar uma oportunidade na capital.
Clarice estudou em uma escola primária na Tijuca, até ir para o curso
preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceita para a Escola de Direito na então Universidade do
Brasil em 1939. Se viu frustrada com muitas das teorias
ensinadas no curso, e descobriu um escape: a literatura. Em 25 de maio de 1940,
com apenas 19 anos, publicou seu primeiro conto "Triunfo" na Revista Pan.
Três anos
depois, após uma cirurgia simples para a retirada de sua vesícula biliar, seu pai Pedro morre de
complicações do procedimento. As filhas ficam arrasadas com as circunstâncias
da morte tão inesperada, e como consequência Clarice se afasta da religião judaica. No mesmo ano, Clarice
chama a atenção (provavelmente com o conto "Eu e Jimmy") de Lourival Fontes, então chefe do Departamento
de Imprensa e Propaganda (órgão responsável pela censura no Estado Novo de Getúlio Vargas), e é alocada para trabalhar
na Agência Nacional, responsável por distribuir notícias aos jornais e
emissoras de rádio da época. Lá conheceu o escritor Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou (não
correspondido, já que Lúcio era homossexual) e de quem se tornou amiga íntima [2].
Em 1943,
no mesmo ano de sua formatura, casou-se com o colega de turma Maury Gurgel
Valente, futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no concurso de
admissão na carreira diplomática, e passou a fazer parte do quadro do Ministério
das Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de
diplomata, Clarice morou na Itália onde serviu durante a Segunda Guerra
Mundial como assistente voluntária junto ao corpo de enfermagem
da Força
Expedicionária Brasileira. Também morou em países como Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, países para onde Maury foi escalado.
Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e irmãs como sentia falta do
Brasil.
Em 10 de agosto de 1948,
nasce em Berna, Suíça o seu primeiro filho, Pedro.[3]. Quando criança Pedro se
destacava por sua facilidade de aprendizado, porém na adolescência sua falta de
atenção e agitação foram diagnosticados como esquizofrenia. Clarice se sentia de certa
forma culpada pela doença do filho, e teve dificuldades para lidar com a
situação.[2]
Em 10 de fevereiro de 1953,
nasce Paulo, o segundo filho de Clarice e Maury, em Washington, D.C., nos Estados Unidos.[3]
Em 1959 se
separou do marido que ficou na Europa e voltou permanentemente ao Rio de Janeiro com seus filhos,
morando no Leme.[2] No mesmo ano assina a coluna
"Correio feminino - Feira de Utilidades", no jornal carioca Correio da
Manhã, sob o pseudônimo de Helen Palmer. No ano
seguinte, assume a coluna "Só para mulheres", do Diário
da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.
Provoca
um incêndio ao dormir com um cigarro acesso em 14 de setembro de 1966,
seu quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada entre a vida e a morte
por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos, e depois
de passado o risco de morte, ainda fica hospitalizada por dois meses.[3]
Em 1975 foi
convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em Cali na Colômbia. Fez uma pequena apresentação na
conferência, e falou do seu conto "O ovo e a Galinha", que depois de
traduzido para o espanhol fez sucesso entre os participantes. Ao voltar ao Brasil, a viagem de Clarice ganhou ares mitológico, com
jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta
de amuletos. Porém, a imagem se formou, dando a Clarice o título de "a
grande bruxa da literatura brasileira". Seu próprio amigo Otto Lara
Resende disse sobre a obra de Lispector: "não se trata de literatura, mas
de bruxaria." [2]
Foi
hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance A Hora da
Estrela com câncer inoperável
no ovário, diagnóstico desconhecido por ela.
Faleceu no dia 9 de dezembrode 1977,
um dia antes de seu 57° aniversário. Foi enterrada no Cemitério Israelita do
Caju, no Rio de Janeiro,
em 11 de dezembro.
Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava
frases para sua amiga Olga Borelli.[2]
Durante toda sua vida Clarice teve diversos amigos
de destaque como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas e Samuel Wainer, entre diversos outros
literários e personalidades.
Obra
Fundação
Graça Aranha de melhor romance de estreia, em outubro de 1944.[3]
Em 1946,
em uma viagem ao Rio de Janeiro,
lança seu segundo livro O Lustre.
Em 1949,
lança o livro "A Cidade Sitiada", o seu terceiro romance.
Em 1961,
"A Maçã no Escuro".
Em 1964 Clarice
lança dois livros: A Legião
Estrangeira, uma coletânea de contos, e o romance A Paixão segundo
G.H.. Ambos os livros foram publicados pela Editora do Autor,
liderada pelos amigos Fernando Sabino e Rubem Braga.
Em 1969 "Uma
Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres".
Em 1970,
começa a escrever um novo livro com o título de Atrás do Pensamento:
Monólogo com a Vida. Mais tarde é renomeado deObjeto Gritante.
Finalmente é lançado em 1973 com o título
definitivo de Água Viva. O livro foi sucesso de crítica e público,
ao ponto de o cantor Cazuza o ter lido
111 vezes [2][3].
Durante a
década de 1970, após ser demitida do Jornal do Brasil (todos os judeus
que trabalhavam na publicação foram demitidos neste período), a autora começa a
traduzir obras do francês e do inglês para a Editora Artenova. Entre as obras
estão contos de Edgar Allan Poe, O Retrato de
Dorian Gray de Oscar Wilde, dois romances de Agatha Christie e Entrevista
com o Vampiro de Anne Rice.[2]
Em 1974,
publicou mais dois livros de contos, novamente pela Artenova: A Via
Crucis do Corpo e Onde Estivestes de Noite. A primeira
edição deste último foi retirada de circulação porque foi colocado um ponto de
interrogação no título, erroneamente.[3]. Já A Via Crucis levantou
polêmica com seu alto caráter sexual, e por não ter sido considerado à altura
dos outros trabalho de Clarice, a revista Veja e
o Jornal do Brasil chegaram
a chamar a obra de "lixo".[2]
A obra de
Clarice ultrapassa qualquer tentativa de classificação. A escritora e filósofa
francesa Hélène Cixous vai
ao ponto de dizer que há uma literatura brasileira A.C. (Antes da Clarice) e
D.C. (Depois da Clarice).
Em
dezembro de 1943, publicou seu primeiro romance, Perto do
Coração Selvagem. Escrito quando tinha 19 anos, o livro
apresenta Joana como protagonista, a qual narra sua história em dois planos: a
infância e o início da vida adulta. A literatura
brasileira era nesta altura dominada por uma tendência
essencialmente regionalista, com
personagens contando as dificuldades da realidade social do país na época.
Clarice Lispector surpreendeu a crítica com seu romance, seja pela problemática
de caráter existencial,
completamente inovadora, seja pelo estilo solto, elíptico e
fragmentário. Este estilo de escrita se tornou marca característica da autora,
como pode ser observado em seus trabalhos subsequentes.
Na época
da publicação, muitos associaram o seu estilo literário introspectivo a Virginia Woolf ou James Joyce, embora ela afirme não ter lido
nenhum destes autores antes de ter escrito seu romance inaugural.[4] A epígrafe de Joyce e o
título, inspirado em citação do livro de Joyce Retrato
do Artista quando Jovem, foram sugeridos por Lúcio Cardoso após o livro ter sido
escrito. Perto do coração selvagem ganhou o prêmio da
foi colunista do Jornal do Brasil, do Correio da Manhã e Diário da Noite. As colunas, que foram
publicadas entre as décadas de 60 e 70, eram destinadas ao público feminino, e
abordavam assuntos como dicas de beleza, moda e comportamento. Em meados de
1970, Lispector começou a trabalhar no livro Um sopro de vida:
pulsações, publicado postumamente. Este livro consiste de uma série de
diálogos entre o "autor" e sua criação, Angela Pralini, personagem
cujo nome foi emprestado de outro personagem de um conto publicado em Onde
estivestes de noite. Esta abordagem fragmentada foi novamente utilizada no
seu penúltimo e, talvez, mais famoso romance, A Hora da Estrela. No romance, Clarice
conta a história de Macabéa, uma datilógrafa criada no Estado de Alagoas que migra para o Rio de Janeiro e
vai morar em uma pensão, tendo sua rotina narrada por um escritor fictício
chamado Rodrigo S.M. O livro descreve a pobreza e a marginalização no Brasil a
partir de um ângulo único que, fugindo dos clichês de um sofrimento
simplesmente causado pela pobreza, e do estereótipo das questões existenciais
como burguesas, encontra sua principal personagem no lugar exato e singular de
sua (in)existência. A história de Macabéa foi publicada poucos meses antes da
morte de Clarice.
Em artigo publicado no jornal The New York
Times, no dia 11 de março de 2005, a escritora foi descrita como o
equivalente de Kafka na
literatura latino-americana. A afirmação foi feita por Gregory Rabassa,
tradutor para o inglês de Jorge Amado, Gabriel García Márquez, Mario Vargas
Llosa e de Clarice.[5]
Referências
1. ↑ a b Clarice
Lispector – Biografia. Releituras (7 de fevereiro de 2008).
2. ↑ a b c d e f g h i j MOSER, Benjamin.
Clarice, uma biografia. Editora Cosac Naify, 2009. Traduzido por José Geraldo
Couto
3. ↑ a b c d e f NOGUEIRA JR, Arnaldo,
Projeto Releituras, disponível em: http://www.releituras.com/clispector_bio.asp
4. ↑ Lispector, Clarice.
"Correspondências - Clarice Lispector (organizado por Teresa de
Monteiro)", Rio de Janeiro, Rocco, 2002. Baseado em cartas pessoais
trocadas com Lúcio Cardoso e
sua irmã Tania
5. ↑ Julie Salamon (11 de março de 2005). An Enigmatic Author
Who Can Be Addictive (em
inglês). The New York Times. Página visitada em 12 de setembro de 2007.
Bibliografia
·
FERREIRA,
Teresa Cristina Montero. Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice
Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
·
GOTLIB,
Nádia Battella. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Editora
Atica, 1995.
·
MOSER,
Benjamin. "Clarice, uma biografia". São Paulo: Ed.Cosac Naify, 2009 ISBN 978-85-7503-844-4