segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

CORAÇÃO CONTA DIFERENTE


         -Ai!
         —  O que é que você tem, Tiago?
         Quem falou ai fui eu. Quem me perguntou o que é que eu tinha foi o Renato, que fica sen­tado do meu lado e pode vigiar tudo o que faço. Ele deve ter pensado que alguma coisa estava doendo. Mas esse ai não era de dor.
         Então, suspirei de novo, mas agora sem falar nada. Esse suspiro saiu como um sopro, que balançou as folhas do meu caderno. E pra dentro, baixinho, pra ninguém escutar, eu gemi: Ai, Adriana...
          É que ela levantou para ir ao quadro. Logo hoje que ela soltou o cabelo comprido daquele rabo-de-cavalo que ela costuma usar. O cabelo dela é tão lindo... Parece de seda e tem um brilho que eu ia dizer que parece o Sol. Mas a Adriana tem cabelos pretos e Sol moreno fica meio esquisito.
7x5 =45...
         — Tá errado, tia! Tá errado! — gritou toda esganiçada a Catarina.
      A tia então mandou a Adriana sentar. A Catarina correu e meteu o apagador em cima daqueles números tão bem desenhados, corrigindo com um 35 tão sem graça quanto a sua voz.
          Adriana voltou pro lugar dela e eu nem pude ver se ela estava com a cara muito vermelha. Ela ficou com a cabeça abaixada um tempão. Eu senti que ela estava triste e fiquei muito triste também. Aí, arranquei a beiradinha da última página do meu caderno e escrevi:
         Não liga, Adriana. O 45 que você escreve é tão lindo quanto o seu cabelo.
    Dobrei meu bilhete. Fiz bem depressa uma bolinha com o bilhete dobrado, mirei e joguei. Ela caiu no colo da Adriana.
    Meu coração bateu depressa. Ai, ai, ai, meu coração martelando tantosais no peito. A Adriana foi desamassando o bilhete bem devagar. Ela leu, depois guardou dentro do estojo. Nem olhou pro meu lado. De repente me lembrei de uma coisa terrível: EU NÃO TINHA POSTO O MEU NOME NO PAPEL!
         Nisso, a tia me chamou. Eu só pensava naquela confusão.
         —Tá errado! Tá errado! Deixa eu fazer, tia?
    Eu olhei pro quadro e entendi... 8 x 6 = 36... A tia me mandou sentar. Fui, morrendo de sem graça.
    Cheguei na minha carteira e vi uma bolinha  de papel bem em cima do meu caderno. Quando ninguém estava mais olhando, eu disfarcei e abri:
         Eu também me amarro no seu 36.
         No cantinho do papel estava assinado: Adriana

Coração conta diferente.Lino de Albergaria São Paulo: Scipione, 1992.

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