A
história começa com um menino de nome João.
O
menino estava triste porque não tinha com que se distrair. Tinham-lhe oferecido
lindos livros de histórias, mas ele não
sabia ler nem escrever e o pai tinha-o proibido de sair de casa sozinho. Sentou-se
à janela, com a sua camisola encarnada, a olhar para a rua.
Aborrecido
por não estar a fazer nada, decidiu sair de casa, mesmo sem pedir licença. Naquela
manhã, o sol brilhava e apetecia-lhe correr pelos campos. Saiu com cuidado para
não ser visto e, mal passou por baixo do arco do portão da quinta, pôs-se a
correr tão depressa quanto pôde. Sabia que não tinha licença para atravessar o
portão, mas resolveu arriscar. Atravessou a aldeia num instante e começou a
andar por caminhos desconhecidos até que
chegou a um caminho estreito e inclinado. Distraiu-se a olhar para um
coelho que espreitava na toca e acabou
por escorregar pelo caminho abaixo, indo parar ao pé de uma árvore onde um lindo pássaro vermelho e preto, das mesmas cores
que ele tinha vestidas, cantava.
O
passarinho levantou voo em direção a um monte muito redondinho e o menino
resolveu segui-lo. Ele sabia que estava
muito longe de casa, para lá de Marte. No cimo do monte, apenas encontrou uma
flor que devia ter sido bonita, mas estava quase seca, dobrada com o peso das pétalas. A
preocupação com a flor fê-lo esquecer o pássaro. O
João sabia que a flor precisava de água
para sobreviver e crescer, mas não havia perto nenhuma fonte, nenhum riacho. Lá embaixo, na planície,
corria o rio Nilo, mas ele não tinha nada com que pudesse transportar água.
Cada vez que regava a flor, ela crescia mais
de um metro e as pétalas ficavam cada vez mais bonitas. O João sentia-se
orgulhoso da sua obra e nem se lembrava de regressar a casa.
Ao pôr do sol, o João ainda não tinha
terminado a tarefa. Quando quis voltar para casa, já era escuro e ele tinha se
esquecido do caminho. Cheio de medo, deitou-se ao pé da flor. Estava com fome e
tremia de frio. A flor, agradecida, deixou cair uma pétala sobre o João para
aquecê-lo. Na base da pétala havia um saquinho cheio de néctar que matou a fome
e a sede do menino, tal como o menino tinha matado a sede da planta.
O
João adormeceu, protegido pela flor que tinha salvo e só acordou, já o sol ia
alto, com os gritos de alegria que o pai deu quando o encontrou.
O pai do João tinha andado, com amigos e
familiares, toda a noite à procura do filho. Quando os pais do João deram pela
falta do filho, primeiro ficaram zangados, depois preocupados e, por fim, muito
tristes. Ninguém sabia onde ele estava e temiam que tivesse sido comido por uma
fera. Fartaram-se de chorar.
Quando amanheceu, olharam para o cimo do
monte e viram uma flor enorme, maior que uma árvore, tão grande que nunca se
vira uma igual. Apesar de preocupados com o João, quiseram ver de perto aquele
fenômeno. Foi então que viram o menino a dormir, muito aconchegado numa pétala
da flor colorida com todas as cores do arco-íris.
O
João contou a todos a sua aventura e agradeceu-lhes que o tivessem vindo
buscar, porque já não sabia voltar para casa. Estava perdido e tinha muitas
saudades da mãe.
Chegaram a casa muito cansados por terem
trazido o menino de tão longe. O João dormia profundamente.
No dia seguinte houve festa na aldeia e, nas
janelas das casas de pedra, havia vasos de flores. Todos quiseram prestar
homenagem ao menino que se sacrificou por uma flor, tornando-a a maior do
mundo. O menino cresceu e, com o tempo, tornou-se um senhor muito velho. Ainda
hoje escreve histórias à sombra da flor que ainda existe. Continua a tratar dela
e, para ele, aquela flor é a maior do mundo.
Adaptado: SARAMAGO, José. A maior flor do mundo.
Companhia das Letrinhas.
Vocabulário:
1.
Camisola encarnada: camisa
vermelha.
2.
Apetecer: despertar
interesse; agradar.
3.
Cimo: a
parte de cima.
4. Quinta: propriedade
rural, com moradia.
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