Deve existir nos homens um
sentimento profundo que corresponde a essa palavra LIBERDADE, pois sobre ela se
têm escrito poemas e hinos, a ela se têm levantado estátuas e monumentos, por
ela se tem até morrido com alegria e felicidade.
Diz-se que o homem nasceu livre,
que a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade de outrem; que onde
não há liberdade não há pátria; que a morte é preferível à falta de liberdade;
que renunciar à liberdade é renunciar à própria condição humana; que a
liberdade é o maior bem do mundo; que a liberdade é o oposto à fatalidade e à
escravidão; nossos bisavós gritavam "Liberdade, Igualdade e Fraternidade!
"; nossos avós cantaram: "Ou ficar a Pátria livre/ ou morrer pelo
Brasil!"; nossos pais pediam: "Liberdade! Liberdade!/ abre as asas
sobre nós", e nós recordamos todos os dias que "o sol da liberdade em
raios fúlgidos/ brilhou no céu da Pátria..." em certo instante.
Somos, pois, criaturas nutridas
de liberdade há muito tempo, com disposições de cantá-la, amá-la, combater e certamente
morrer por ela.
Ser livre como diria o famoso
conselheiro... é não ser escravo; é agir segundo a nossa cabeça e o nosso
coração, mesmo tendo de partir esse coração e essa cabeça para encontrar um
caminho... Enfim, ser livre é ser responsável, é repudiar a condição de
autômato e de teleguiado é proclamar o triunfo luminoso do espírito. (Suponho
que seja isso.)
Ser livre é ir mais além: é
buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a órbita da vida. É não estar
acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes.
Por isso, os meninos
atiram pedras e soltam papagaios. A pedra inocentemente vai até onde o sonho
das crianças deseja ir. (As vezes, é certo, quebra alguma coisa, no seu
percurso...)
Os papagaios vão pelos ares até
onde os meninos de outrora (muito de outrora!...) não acreditavam que se
pudesse chegar tão simplesmente, com um fio de linha e um pouco de vento!
...
Acontece, porém, que um menino,
para empinar um papagaio, esqueceu-se da fatalidade dos fios elétricos e perdeu
a vida.
E os loucos que sonharam sair de
seus pavilhões, usando a fórmula do incêndio para chegarem à liberdade,
morreram queimados, com o mapa da Liberdade nas mãos!
...
São essas coisas tristes que
contornam sombriamente aquele sentimento luminoso da LIBERDADE. Para alcançá-la
estamos todos os dias expostos à morte. E os tímidos preferem ficar onde estão,
preferem mesmo prender melhor suas correntes e não pensar em assunto tão
ingrato.
Mas os sonhadores vão para
frente, soltando seus papagaios, morrendo nos seus incêndios, como as crianças
e os loucos. E cantando aqueles hinos, que falam de asas, de raios fúlgidos
linguagem de seus antepassados, estranha linguagem humana, nestes andaimes dos
construtores de Babel...
(MEIRELES, Cecília. Escolha
o seu sonho: crônicas Editora Record Rio de Janeiro, 2002, p.
07.)
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