E
muito interessante a mania que tem certas pessoas de comentar episódios que
viveram em viagens, com descrições de lugares e coisas, na base de “imagine você
que...”. Muito interessante tambem e o ar superior que cavalheiros, menos
providos de espirito pouquinha coisa, costumam ostentar depois que estiveram na
Europa ou nos Estados Unidos (antigamente ate Buenos Aires dava direito a
empafia). Alias, em relação a viajantes, ocorrem episodios que, contando,
ninguem acredita.
O
camarada que tinha acabado de chegar de Paris e – por sinal – com certa
humildade, estava sentado numa poltrona, durante a festinha, quando a dona da
casa veio apresenta-lo a um cavalheiro gordote, de bigodinho empinado, que logo
se sentou a seu lado e começou a “boquejar” (como diz o Grande Otelo):
–
Quer dizer que esta vindo de Paris, hem? – arriscou. O que tinha vindo fez um
ar modesto: – E!!!
–
Naturalmente o amigo não se furtou ao prazer de ir visitar o Palacio de
Versalhes.
–
Não. Não estive em Versalhes. Era muito longe do hotel onde me hospedei.
–
Mas o amigo cometeu a temeridade de não ficar no Plaza Athénée?
O
que não ficara no Plaza Athénée deu uma desculpa, explicou que o seu hotel fora
reservado pela Cia. Onde trabalha e, por isso, não tivera vez na escolha.
–
Bem – concordou o gordinho –, o Plaza realmente e um pouco caro, mas e muito
central e ha outros hotéis mais modestos que ficam perto do Plaza. – E depois
de acender um cigarro, lascou: – Passeou pelos Bois?
–
Passei pelo Bois uma vez, de taxi.
–
Mas o amigo vai me desculpar a franqueza; o amigo bobeou. Não ha nada mais
lindo do que um passeio a pe pelo Bois de Boulogne, ao cair da tarde. E não ha
nada mais parisiense tambem.
–
E... eu já tinha ouvido falar nisso. Mas havia outras coisas a fazer.
–
Claro... claro... Ha coisas mais importantes, principalmente no setor das artes
– e sem tomar o menor folego: – Visitou o Louvre?...
–
Visitei.
–
Viu a Gioconda?
O
recem-chegado não tinha visto a Gioconda. No dia em que esteve no Louvre, a
Gioconda não estava em exposição.
– Mas o senhor prevaricou – disse o
gordinho, quase zangado. – A Gioconda so esta em exposição as 5.as e sabados e ir
ao Louvre noutros dias e negar a si mesmo uma comunhão maior com as artes.
Passou uma senhora, cumprimentou o
ex-viajante e, mal ela foi em frente, nova pergunta do cara:
– E a comida de Paris, hem amigo? Voce
jantava naqueles bistrozinhos de Saint-Germain? Ou preferia os restaurantes
tipicos de Montmartre? Ha um bistro que fica numa transversal da Rue de...
Mas não pode acabar de esclarecer qual era
a rua, porque o interrogado foi logo afirmando que jantara quase sempre no
hotel. E sua paciencia se esgotou quando o chato quis saber que tal achara as
mulheres do Lido.
– Eu não fui ao Lido tambem. O senhor
compreende. Eu estive em Paris a serviço e sou um homem de poucas posses. Quase
não tinha tempo para me distrair. De mais a mais, lá e tudo muito caro.
– Carissimo – confirmou o gordinho, sem
se mancar.
– O senhor, naturalmente, esteve la a
passeio e pode fazer essas coisas todas – aventou, como quem se desculpa.
Foi ai que o gordinho botou a mãozinha
rechonchuda sobre o peito e exclamou: – Eu??? Mas eu nunca estive em Paris!
(Ponte Preta, Stanislaw. O
melhor de Stanislaw. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.)
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