terça-feira, 23 de julho de 2013

CONVERSA DE VIAJANTE


E muito interessante a mania que tem certas pessoas de comentar episódios que viveram em viagens, com descrições de lugares e coisas, na base de “imagine você que...”. Muito interessante tambem e o ar superior que cavalheiros, menos providos de espirito pouquinha coisa, costumam ostentar depois que estiveram na Europa ou nos Estados Unidos (antigamente ate Buenos Aires dava direito a empafia). Alias, em relação a viajantes, ocorrem episodios que, contando, ninguem acredita.
O camarada que tinha acabado de chegar de Paris e – por sinal – com certa humildade, estava sentado numa poltrona, durante a festinha, quando a dona da casa veio apresenta-lo a um cavalheiro gordote, de bigodinho empinado, que logo se sentou a seu lado e começou a “boquejar” (como diz o Grande Otelo):
– Quer dizer que esta vindo de Paris, hem? – arriscou. O que tinha vindo fez um ar modesto: – E!!!
– Naturalmente o amigo não se furtou ao prazer de ir visitar o Palacio de Versalhes.
– Não. Não estive em Versalhes. Era muito longe do hotel onde me hospedei.
– Mas o amigo cometeu a temeridade de não ficar no Plaza Athénée?
O que não ficara no Plaza Athénée deu uma desculpa, explicou que o seu hotel fora reservado pela Cia. Onde trabalha e, por isso, não tivera vez na escolha.
– Bem – concordou o gordinho –, o Plaza realmente e um pouco caro, mas e muito central e ha outros hotéis mais modestos que ficam perto do Plaza. – E depois de acender um cigarro, lascou: – Passeou pelos Bois?
– Passei pelo Bois uma vez, de taxi.
– Mas o amigo vai me desculpar a franqueza; o amigo bobeou. Não ha nada mais lindo do que um passeio a pe pelo Bois de Boulogne, ao cair da tarde. E não ha nada mais parisiense tambem.
– E... eu já tinha ouvido falar nisso. Mas havia outras coisas a fazer.
– Claro... claro... Ha coisas mais importantes, principalmente no setor das artes – e sem tomar o menor folego: – Visitou o Louvre?...
– Visitei.
– Viu a Gioconda?
O recem-chegado não tinha visto a Gioconda. No dia em que esteve no Louvre, a Gioconda  não estava em exposição.
      – Mas o senhor prevaricou – disse o gordinho, quase zangado. – A  Gioconda  so esta em exposição as 5.as e sabados e ir ao Louvre noutros dias e negar a si mesmo uma comunhão maior com as artes.
      Passou uma senhora, cumprimentou o ex-viajante e, mal ela foi em frente, nova pergunta do cara:
      – E a comida de Paris, hem amigo? Voce jantava naqueles bistrozinhos de Saint-Germain? Ou preferia os restaurantes tipicos de Montmartre? Ha um bistro que fica numa transversal da Rue de...
      Mas não pode acabar de esclarecer qual era a rua, porque o interrogado foi logo afirmando que jantara quase sempre no hotel. E sua paciencia se esgotou quando o chato quis saber que tal achara as mulheres do Lido.
       – Eu não fui ao Lido tambem. O senhor compreende. Eu estive em Paris a serviço e sou um homem de poucas posses. Quase não tinha tempo para me distrair. De mais a mais, lá e tudo muito caro.
        – Carissimo – confirmou o gordinho, sem se mancar.
        – O senhor, naturalmente, esteve la a passeio e pode fazer essas coisas todas – aventou, como quem se desculpa.
        Foi ai que o gordinho botou a mãozinha rechonchuda sobre o peito e exclamou: – Eu??? Mas eu nunca estive em Paris!
                  (Ponte Preta, Stanislaw. O melhor de Stanislaw. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.)

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