Eu aprendi a gostar de música clássica muito
antes de saber as notas: a minha mãe tocava-as ao piano e elas ficaram gravadas
na minha cabeça. Somente depois, já fascinado pela música, fui aprender as
notas – porque queria tocar piano. A aprendizagem da música começa como
percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes. Isto é
verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica
fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as
letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a história. A aprendizagem da
leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança
escuta com prazer. A criança volta-se para aqueles sinais misteriosos chamados
letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o
mundo das delícias que moram no livro!
Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao
prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está a ler. Confesso
nunca ter tido prazer algum em aulas de gramática ou de análise sintática. Não
foi nelas que aprendi as delícias da literatura. Mas lembro-me com alegria das
aulas de leitura. Na verdade, não eram aulas. Eram concertos. A professora lia,
interpretava o texto, e nós ouvíamos, extasiados. Ninguém falava.
Antes de ler Monteiro Lobato, eu ouvi-o. E o
bom era que não havia exames sobre aquelas aulas. Era prazer puro. Existe uma incompatibilidade
total entre a experiência prazerosa da leitura – experiência vagabunda! – e a
experiência de ler a fim de responder a questionários de interpretação e
compreensão. Era sempre uma tristeza quando a professora fechava o livro...
Vejo, assim, a cena original: a mãe ou o pai,
livro aberto, a ler para o filho... Essa experiência é o aperitivo que ficará
para sempre guardado na memória afetiva da criança. Na escola, o professor
deverá continuar o processo de leitura afetuosa. Ele lê: a criança ouve,
extasiada! Seduzida, ela pedirá: Por favor, ensine-me! Eu quero poder
entrar no livro por minha própria conta...
Todo o texto é uma partitura musical. As
palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica,
se ele desliza sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza
acontece.
Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que
lê para que os seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Por
isso eu acho que deveria ser estabelecida nas nossas escolas a prática dos
"concertos de leitura". Se há concertos de música erudita, jazz
– por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão o prazer
de ler.
E
acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de termos
sido tocados pela sua beleza, é impossível esquecer. A leitura é uma droga
perigosa: vicia... Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é só deles.
Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos que não houve tempo
para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza do texto.
E a missão do professor? Acho que as escolas
só terão realizado a sua missão se forem capazes de desenvolver nos alunos o
prazer da leitura. O prazer da leitura é o pressuposto de tudo o mais. Quem
gosta de ler tem nas mãos as chaves do mundo. Mas o que vejo acontecer é o contrário.
São raríssimos os casos de amor à leitura desenvolvido nas aulas de estudo
formal da língua. Sonho com o dia em que as crianças que leem os meus livrinhos
não terão de analisar dígrafos e encontros consonantais e em que o conhecimento
das obras literárias não seja objeto de exames: os livros serão lidos pelo
simples prazer da leitura.
Rubem
Alves (texto adaptado)
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