Esta é a história de dois pezinhos.
Um pé esquerdo e um direito. Quem olhava assim
rápido nem via muita diferença entre eles. Podia achar que um fosse o reflexo
do outro como num espelho, mas eram muito diferentes.
O esquerdo tinha o dedão mais gordinho e gostava
de futebol. O direito morria de cócegas e adorava balé.
O esquerdo preferia usar tênis. Já o
direito, por ele vivia descalço.
O esquerdo, muito vaidoso, ficava feliz de unhas
cortadas. O direito, mais desleixado, às vezes cheirava chulé.
Como os pezinhos dependiam de sua dona, viviam
fazendo acordos:
- Tá bom, eu vou para trás na hora do arabesque,
lá na aula de balé – dizia o esquerdo. – Mas, no futebol, eu chuto a bola.
- Legal. – concordava o direito. – Mas, quando a
gente estiver dançando, não fique reclamando que a sapatilha aperta.
Conversavam sempre à noite, quando Mariana, a
dona deles, dormia. Assim, podiam se entender melhor.
Uma noite, Mariana perdeu o sono. Enquanto
contava carneirinhos, ouviu uma vozinha dizendo assim:
- Tomara que amanhã ela ponha meia rosa.
A menina levou um susto. Levantou a cabeça do
travesseiro, a tempo de ouvir o pé direito responder:
- Ah, não. Gosto mais daquelas de listrinhas
azuis.
Mariana não podia acreditar no que via e ouvia.
Os pezinhos continuaram:
- Esqueceu que amanhã tem aula de futebol? –
lembrou o esquerdo. – Ela sempre põe meias cor-de-rosa quando vai jogar.
- Droga, então vai vestir as chuteiras também.
Depois você reclama se eu fico cheirando a chulé.
- Vou marcar um golaço, duvida? – gabou o
esquerdo.
- Não, sei que graça você vê em
futebol! – suspirou o direito.
Mariana fez uma cara de quem tinha descoberto a
América:
- Então é por isso que eu chuto melhor com a
esquerda!
Os pezinhos prosseguiram no papo:
- Não ligue. À tarde, ela vai na aula de dança e
ai você fica feliz.
- Vou fazer a melhor pirueta da minha vida, me
espere!
A menina se surpreendeu mais uma vez:
- Por isso eu arraso quando fico na ponta do pé
direito!
Comovida, Mariana pensou no esforço que seus
pezinhos faziam para se entenderem, apesar das diferenças. Pensou também como
seria se todas as pessoas fizessem o mesmo.
Afundou no travesseiro e dormiu.
Na manhã seguinte, ela resolveu fazer uma
surpresa para os seus pés. No esquerdo, vestiu a meia rosa e a chuteira. No
direito, a meia listradinha de azul e a sapatilha. Foi para escola assim, com
um pé de cada jeito.
Quando pisou na sala de aula, seus colegas
começaram a caçoar dela. Mariana tentou explicar que seus pés eram diferentes
um do outro e que isso não tinha o menor problema. Mas a turma não parava de
rir.
Mariana descobriu como era difícil ser diferente.
Só porque não usava sapatos iguais como todo mundo, tinha virado motivo de
riso. Morrendo de raiva, ela foi chorar na biblioteca.
Escondida atrás de uma estante, abaixou-se para
ficar mais perto de seus pés. Acariciando ora o esquerdo, ora o direito, e
disse:
- Não liguem para esses bobos. Eu não vou deixar
de gostar de vocês só porque são diferentes um do outro.
Estava nisso quando alguém se aproximou. Mariana
olhou pela fresta de uma prateleira e tudo que viu foi dois pés. Um estava
calçado com tênis. O outro, com chinelo de praia.
A menina levantou os olhos, maravilhada. Deu de
cara com o Edgar, o novo colega de escola. Ele estendeu-lhe a mão dizendo:
- Não chore, Mariana. Nenhum PÉ É IGUAL AO OUTRO.
Foram os dois para o pátio. Ela já nem ligava
mais para a zoada dos colegas. Mariana só ficava pensando num jeito de
apresentar seus pés aos pés de Edgar.
Cláudio Fragata. In: Recreio Especial: Era uma vez..., n. 1.
São Paulo, Abril, s/d.
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